Malê Gnaoua Brasil Fusion

Celebrar as relações musicas entre a música afrobrasileira e a música africana e gnaoua é um dos grandes ideais do projeto MalÊ.

Em dezembro de 2012  o Projeto Malê Gnaoua Brasil Fusion realizou uma semana de intercâmbio e vivências intensivas entre ritmos brasileiros e marroquinos. Em parceria com o Rose des Vents Mouviment Culturel e a Alliance Franco MArrocaine de Essaouira.

Vinda especialmente do Brasil para participar do Projeto, Mô  Maiê, cantora do Vira Saia recebeu a viagem como um prêmio concebido pelo Programa Música Minas, podendo assim ministrar oficinas de ritmos afro-brasileiros e receber oficinas de música gnaoua dos músicos marroquinos Aziz, Halid, Limini e Furat.   

Durante os processos de trocas musicais das oficinas foi-se afinando a harmonia entre os participantes a fim de realizar um cortejo pelas ruas da  Medina antiga e preparar o repertório musical para o espetáculo “Lila Xirê”, resultado da fusão da música brasileira com a tradição gnaoua

Abaixo segue um pouco da pesquisa de Mo Maiê sobre a cultura e música gnaoua. 



                 

Lembro-me que estava numa lanchonete em Barcelona (Espanha) quando ouvi de um músico a história do poder da música de transe do povo gnaoua, do Marrocos. O homem me contou um pouco de sua experiência já que havia morado em Marraquesh algum tempo. Coisas impressionantes, inimagináveis dentro de rituais que envolviam música, dança, cura e cores, com várias semelhanças com as nossas cerimônias de candomblé brasileiras.
Fiquei fascinada e poucos meses depois embarquei para passar um tempo com uma família gnaoua na parte antiga de Marraquesh, onde mergulhei profundamente de corpo e alma na Lila, a dança das sete cores do universo.
Os gnaoua são descendentes de africanos sub-saharianos, da África Ocidental (Sudão Ocidental, Mali, Nigéria e de Gana - de onde dizem que vem o termo "gnaoua"), levados como escravos para o norte do Sahara para dar suporte ao Império Almohade, trabalhando no exército e na construção de edifícios e fortificações, de 1147 a 1269.
Muitos se instalaram no Marrocos, onde seus descendentes ainda hoje mantêm as tradições religiosas gnaouas, que se fundiram com práticas islâmicas sufistas e beribéris, mantendo considerável parte de suas origens animistas.
É interessante observar algumas coincidências: alguns gnaouas marroquinos têm o nome ou o sobrenome "Jalil", que é associado à palavra "escravo". Quando pronunciada, a palavra Jalil remete à palavra Djali, que nas tradições malinkés quer dizer "sangue" e designa um "griô" (termo usado pelos franceses para designar os contadores de histórias).

A música tem importância essencial dentro das práticas religiosas e pagãs gnaouas.
As Gangas (tambores de madeira e pele, que lembram de longe as alfaias brasileiras, tocadas nos cortejos que antecedem os rituais, chamando o povo para celebrar a "lila"):



Na foto pode-se ver dois gnaouas tocando os "gangas"
OS krakrabs (castanholas de ferro):


Krakrabs Gnawa

o GUEMBRIL (ou Sentir, baixo ancestral feito com corpo de madeira, couro e três cordas  de tripa de cabras):

Como tudo dentro da cultura gnaoua é cercado de simbolismo, também o são os instrumentos. Macho e fêmea que se completam em sua diferença. Já que o "todo é uma única coisa".
Os Krakrabs (tocadas pelos Kouyo) representam os sons femininos, agudos,  enquanto o GUEMBRIL representam as vibrações masculinas, graves. O GUMBRIL ou SENTIR é tocado pelo Maalem, ou "mestre" - que é quem vai comandar os toques para os Mlouks e a condução dos rituais, uma espécie de shamam ou pai de santo.


Mulher durante o ritual do transe Gnaoua - Lila ou Derdeba

O essencial da Confraria Gnaoua é um rito de possessão chamado “Derdeba”, onde a dança, o canto e alguns instrumentos contribuem para a criação de um clima hipnótico e sinestésico, que gera o transe nos adeptos com a intenção de realizar a cura corporal e espiritual da comunidade ou de algum enfermo específico.



Maalem Gnaoua, tocando o GUEMBRIL

O transe dentro da concepção geral da cerimônia é uma espécie de manifestação “catártica”, mas com grande valor espiritual. É só no meio da noite, no momento de sonhar, que começa o rito de posse chamado “Derdeba” ou LILA (que, em árabe significa “noite”).

o GUEMBRIL, o baixo ancestral

A celebração pode durar uma noite inteira, desde o pôr do sol até o amanhecer, mas dependendo da intenção, podem durar de três a sete dias. As “Lilas” de videntes (Mokdema ou Mokdem) ou mestres (Maalems) são mais intensas e podem durar até 7 dias. Existem ainda rituais com a exclusiva participação de mulheres (as Haddarate), realizados nos espaços fechados de alguns santuários e de acesso muito restrito, durante os quais as vozes femininas de Essaouira elevam a Alá litanias e cânticos secretos.

As “Lilas” têem maior ocorrência no mês lunar do “Chaâbane” (período que precede o mês do Ramadam, quando os muçulmanos celebram a revelação do “Alcorão” aos homens e jejuam durante um mês). Durante o “Chaabane”, os “Djines” ou espíritos são “acorrentados”. Os “servos” fazem inúmeras “Lilas” em mausoléus de santos Gnaoua e devem sacrificar um galo azul (se pobres) ou um touro negro (se ricos).

Durante a Lila ou Derdba Gnaoua, a dança da menta

Uqba >>
O jogo de mãos. Parte feminina, todos batem palmas, e chamam todos os santos. Bater palmas é a representação da vida, do início, quando o ferro ainda não existia. Por esta razão, os músicos utilizam as palmas, e não os krakabs (castanholas de ferro): unem a mão direita (a vida) e a esquerda (representando a morte) e cantam os 99 nomes de Alla. 
Depois desse momento Uqba, vem o momento  Meksa” que representa o ferro e o sacrifício. Os músicos começam então a utilizar os krakabs, o ferro alquímico do sacrifício.
E logo quando os krakrabs soam pelos ares começa a Derdaba – o ritual dos cantos e danças evocando as entidades encantadas (Mlouks).
É na Dardaba que estão os três portais.
Cada portal está associado a uma cor. E cada cor corresponde a uma entidade, como os orisás do candomblé brasileiro.
Nas “Lilas” comuns, os músicos entoam seu canto e sua música, enquanto mulheres invisíveis dançam o transe para incorporar os “Mluks”, os espíritos de diferentes cores, também chamados “Djines” ou “demônios”.

A sensualidade tão comum e natural nos corpos africanos aqui deve ser tapada por véus coloridos durante a LILA Gnaoua (influências de costumes muçulmanos, quando a mulher deve ser tapada socialmente). O corpo da mulher que dança o transe vai se desumanizando, tornando-se impessoal. Passa a estar diretamente relacionado a uma divindade e, por extensão, aos elementos da natureza a ele associados, levado pelo comando das músicas. O transe torna-se a forma de contato entre os deuses ou espíritos da natureza e a comunidade religiosa.
Para o participante ocasional de uma LILA ou de uma cerimônia de candomblé ou umbanda, todo o conjunto do ritual (como os gestos, o cheiro do insenso, as roupas, os cantos, os ritmos, as danças) pode parecer elementos de um verdadeiro show, mas aquilo que se faz público é também extremamente misterioso e dotado de simbologias que transcendem aquilo que os sentidos percebem. A chegada do orixá entre os mortais é assinalada por cantigas de saudação apropriadas, todas numa seqüência lógica. Da mesma maneira, há uma seqüência lógica e ritualística também nas práticas gnaouas, mas aqui são os “Mluks”, os “Djines” representados pelas cores.



                                 

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